terça-feira, 27 de dezembro de 2011

ESPIRITUALIDADE DO SAGRADO CORAÇÃO

ESPIRITUALIDADE DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS

Desde o séc. XVII, juntamente com a devoção popular ao Sagrado Coração, difundiram-se na Igreja as mais diferentes imagens (pinturas e esculturas) do Sagrado Coração de Jesus. O modo de representar os santos ou a própria pessoa de Jesus Cristo chama-se “iconografia”. Na tradicional iconografia do Sagrado Coração, costuma-se representar Jesus ressuscitado que mostra seu coração: às vezes apontando para o coração, às vezes abençoando, às vezes acolhendo de braços abertos (“Venham para mim [...]”).

O gesto de apontar o coração transpassado lembra o gesto e as palavras de Cristo ressuscitado aos apóstolos e a Tomé: “Estenda a sua mão e toque o meu lado. Não seja incrédulo, mas tenha fé!” (Jô 20,27). Para todos nós, assim como para Tomé, Jesus Cristo continua apontando seu coração com a marca da paixão e morte de cruz, dizendo: “Olhem como eu os amei! Tenham fé!”. O coração de Cristo não é representado como um coração qualquer, bonito, como o “coração de namorados”. É sempre representado com os sinais de sua paixão e morte! Em volta dele, há cinco elementos simbólicos: a ferida aberta, a cruz, as chamas, os espinhos, as gotas de água e sangue que brotam da ferida.

A partir desses sinais ou símbolos iconográficos, procurei compreender o que é e como viver uma autêntica espiritualidade do Sagrado Coração de Jesus. Procurei, guiado pela Bíblia, a tradição, o Magistério e a Liturgia da Igreja; procurei, com a simplicidade, a fé e o amor de nosso povo humilde que sabe muito bem compreender a linguagem dos sinais, a linguagem do Sagrado Coração de Jesus!


1. Contemplação


A ferida aberta é o dado bíblico primordial no Culto ao Sagrado Coração de Jesus: “contemplarão aquele que transpassam!” (Jo 19,37). Foi essa ferida que Cristo ressuscitado apontou para os discípulos (“Venham!”) e para Tomé (“toque”) e continuam apontando para todos nós, como “marca registrada” de sua ressurreição e de sua presença no meio de nós!

A ferida aberta é um convite a contemplação: Vejam!”. Este é o primeiro elemento da espiritualidade do Sagrado Coração de Jesus: contemplar aquele que nos amou até as ultimas conseqüências, que deu a vida por nosso amor! A contemplação do Sagrado Coração de Jesus, que aponta para seu coração aberto, faz sentir-nos amados por Deus e nos impele a corresponder a seu amor misericordioso. A contemplação nos faz entender que” [...] não fomos nós que amamos a Deus, mas foi Ele que nos amou, e nos enviou seu filho como vítima expiatória por nossos pecados! [...] Deus é amor “(1 Jo 4,10.16).” Ele nos escolheu [...] para que sejamos santos [...] no amor!”(Ef 1,4)”.

Uma das formas mais importantes da contemplação é a adoração Eucarística. No sacramento da Eucaristia, Jesus continua vivo no meio de nós: diante dele nos prostramos, como Tomé diante do Ressuscitado, que lhe mostrava a ferida de seu coração, e como ele, repetimos com fé: “Meu Senhor e meu Deus!” (Jo 20,28). Sim, lá, diante do sacrário ou diante do Santíssimo Sacramento exposto em nossos altares, podemos encontrar-nos com Cristo vivo, como Maria de Betânia: em adoração silenciosa, aberta à palavra e cheia de amor (Lc 10,38-42).

Neste espírito de contemplação e adoração eucarística, se insere a Hora Santa nas primeiras sextas de cada mês: uma das práticas tradicionais da espiritualidade do Sagrado Coração de Jesus. Mas precisamos encontrar outros momentos para um encontro pessoal e silencioso com o Sagrado Coração de Jesus no Sacramento da Eucaristia!

Outra pratica importante para a contemplação daquele que nos amou até a morte – e morte de cruz – é a via-sacra. É na contemplação de Jesus crucificado que se formaram os místicos e os santos de todos os tempos e nela continua se formando o povo cristão. É contemplando aquele que transpassaram que poderemos entende, como santa Teresinha do Menino Jesus, que “Amor com amor se paga!”.


2. Imitação


A cruz em cima do coração é outro elemento sempre presente nas imagens do Sagrado Coração de Jesus. A cruz representa a obediência de Jesus à vontade do Pai (“[...] tornando-se obediente até á morte, e morte de cruz!” – Fl 2,8) e o amor de Jesus por nós, até as ultimas conseqüências: “Não há maior amor que dar a vida” (Jo 15,13). Foi escrito, justamente: “Para o cristão, o amor não é simbolizado por um coração, mas sim por uma cruz!”.

A cruz nos lembra outro elemento fundamental de uma autentica espiritualidade do Sagrado Coração de Jesus: a imitação. Jesus aponta sua cruz e nos diz: “Quem quer ser meu discípulo, [...] tome a sua cruz, e me siga [...] quem perde sua vida por causa de mim, vai encontra-la!” (Mt 16,24-25); “assim como eu amei vocês, vocês devem se amar uns aos outros” (1Jo 13,34); “[...] Aprendam de mim, por que sou manso e humilde de coração” (Mt 11,29). Como dizia São João, o discípulo do amor: “[...] se Deus nos amou a tal ponto, também nós devemos amar-nos uns aos outros!” (1 Jo 4,11). Ou como pede a oração da missa votiva do Sagrado Coração de Jesus (Missal): “Senhor Deus, revesti-nos das virtudes do Coração de vosso Filho e inflamai-nos com seu amor, para que, assemelhando-nos a ele, possamos participar da redenção eterna!”.

Enfim, a devoção ao Sagrado Coração de Jesus nos leva a carregar dentro de nós o jeito de Jesus: a fazer a vontade do Pai, custe o que custar; a ter um coração aberto e grande, misericordioso e compassivo como o dele; a amar como ele amou, também com sua coragem de denunciar os sistemas iníquos de denominação e com sua preocupação com o ser humano, com cada ser humano, de modo preferencial com os pobres, os sofredores, os doentes, os excluídos.


3. Evangelização/Testemunho

O fogo que envolve o coração e a cruz deve lembrar-nos as palavras de Jesus: “Eu vim para lançar fogo sobre a terra: e como desejaria que já estivesse aceso!” (Lc 12,49). É o fogo de pentecostes, que transformou e continua transformando pobres seres humanos em ardorosos missionários e evangelizadores! É o fogo do Espírito Santo que continua impulsionado a Igreja de Jesus Cristo!

Assim, o fogo representa outro aspecto fundamental da autêntica espiritualidade do Sagrado Coração de Cristo: o ardor missionário pela evangelização. O Sagrado Coração de Jesus nos dá o fogo de seu Espírito, para sermos suas testemunhas em todos os lugares: “Vão [...], e anunciem o evangelho [...] para serem as minhas testemunhas!” (Mc 16,15; At 1,8).

Lembram o diálogo de Jesus com Pedro? “Pedro, você me ama? [...] apascenta o meu rebanho!” (Jo 21,15-17). O verdadeiro devoto do Sagrado Coração de Jesus não pode deixar de trabalhar por Cristo, em sua comunidade, evangelizando e anunciando a todos o Amor de Jesus Cristo, com o mesmo ardor e zelo missionário do apóstolo Paulo: “Ai de mim se eu não evangelizar!” (1Cor 9,16); “Como poderão crer se não houver quem lhes anuncie o Cristo?” (cf. Rm 10,14-15).

Contemplando o “fogo” do Sagrado Coração de Jesus, devemos lembrar a promessa de Jesus Cristo: “Eu vos enviarei o meu Espírito! Dele receberam força para serem minhas testemunhas!” (cf. Jo 15,26-16,15;At 1,8); ou as palavras do apóstolo Paulo: “[...] o amor de Deus foi derramado em nosso coração pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5,5); “É o Espírito que vem em auxílio de nossas fraquezas!” (Rm 8,26); “[...] ninguém poderá dizer: ‘Jesus é o senhor!’ a não ser sob a ação do Espírito” (1Cor 12,3). E assim pediremos, confiantes, o grande dom do Coração de Jesus Cristo: “Vem, Espírito Santo, vem!”


4. Reparação

Os espinhos em volta do Coração de Jesus Cristo representam os pecados: nossos e de toda a humanidade. Sim, Jesus continua sendo espezinhado por nossos pecados e por nossas ingratidões; continua sendo judiado em todos os irmãos que sofrem violência, injustiça e exclusão (Mt 25,41-46). “Eis aquele Coração que tanto amou a humanidade! Em troca só recebeu ingratidões!”.

Aqui entra o quarto elemento de uma autêntica espiritualidade do Sagrado Coração de Jesus: a reparação. O verdadeiro devoto do Sagrado Coração de Jesus repara, com seu amor e com toda sua vida, o desamor com que Jesus Cristo, a mensagem de seu Evangelho e o seu Reino continuam sendo rejeitados pela humanidade.

A Comunhão eucarística e a Hora Santa, nas primeiras sextas-feiras do mês, têm por objetivo a reparação, sobretudo pelas “ingratidões, irreverências, sacrilégios e friezas de muitos com o sacramento do amor” que é a eucaristia. Também o “oferecimento do dia”, conforme as intenções do Apostolado da Oração, é outra prática importante para viver a espiritualidade da reparação: “Ofereço-vos as orações, obras, sofrimentos e alegrias deste dia, em reparação de nossas ofensas e por todas as intenções [...]” (ver pp.42-43).

Mas a atitude de reparação de levar-nos também a gestos concretos de solidariedade e de serviço a favor de todos os que sofrem. Vejam o que diz o nosso Papa: “A verdadeira reparação é construir sobre as ruínas acumuladas pelo ódio e pela violência, a civilização do amor, o Reino do Coração de Cristo!” (João PauloII). Assim, a espiritualidade do Coração de Jesus inclui também a coragem de denunciar tudo o que desfigura a imagem de Deus na pessoa humana; inclui a evangélica opção preferencial pelos pobres e o engajamento na construção de um mundo mais humano e mais justo; inclui também (como característica de uma autêntica espiritualidade para o novo milênio) a defesa ardorosa do meio ambiente, da natureza e de tudo o que Deus criou para o bem do ser humano e que o ser humano destruiu ou esta destruindo!


5. Consagração

A água e o sangue que jorram do Coração transpassado de Jesus constituem outro elemento bíblico importante na teologia simbólica de João Evangelista (Jo 19,34), na iconografia e na espiritualidade do Sagrado Coração de Jesus. É do Coração transpassado de Jesus na cruz, por meio da água do batismo e do Espírito e por meio do sangue da Eucaristia, que nasce a nova humanidade: a Igreja.

As gotinhas simbólicas de água e sangue representam outro aspecto fundamental da espiritualidade do Sagrado Coração de Jesus: a consagração. “Consagrada” é uma pessoa que pertence a Deus e ao povo de Deus. É na água do batismo, pelo dom do Espírito Santo, que nós somos consagrados para Deus e para a Igreja, em Jesus Cristo. É na Eucaristia que nós renovamos, constantemente, nossa consagração a Jesus Cristo. “Quem come da minha carne e bebe do meu sangue vive em mim e eu vivo nele!” (Jo 6,56).

Como todo verdadeiro católico, os devotos do Sagrado Coração de Jesus encontram na Comunhão eucarística a raiz, o centro e o cume de sua vida e de sua consagração a Cristo: sempre – e de modo muito especial – nas primeiras sextas-feiras do mês. Também consagram suas famílias ao Sagrado Coração de Jesus, para serem “família de Deus” e “Igreja doméstica”.

Contemplação, imitação, evangelização, reparação, consagração: cinco elementos essenciais da espiritualidade do Sagrado Coração de Jesus para o novo milênio. O conjunto desses cinco elementos tem um nome: AMOR! cujo símbolo é o coração! É o amor o resumo da vida de Jesus e de seu Evangelho: por que Deus é amor! É o amor o resumo do compromisso do cristão (três amores: amar a Deus; amar ao próximo, sobretudo aos que sofrem; amar-nos uns aos outros na comunidade cristã). Por isso, “o culto ao Sagrado Coração de Jesus pode ser considerado a mais completa prática da religião cristã, que é a religião do amor” (Pio XII). Ou, como dizia o Papa Pio XI: “O Sagrado Coração de Jesus é a síntese de todo o cristianismo!”.


Pe. Manoel Barbosa Santos

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